Wednesday, September 27, 2006

Adeus , meu amor .

' Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a cereza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus. '

( Os Amantes sem Dinheiro, 1950 )

3 Comments:

Blogger alguem said...

Gostei
desculpa invasão
*

2:27 PM  
Blogger Inês Ferreira said...

Axo que ja tinha lido isso.
tenho uma frase do mesmo genero (gastou.se o amor antes de se gastar as palavras)

gostei

4:45 AM  
Blogger TP * said...

adoro
e sempre adorei este poema! :) simplesmente genial! é de eugénio de andrade! :) todos os versos deste poema são perfeitos! :) gostei deste blog! :) beijinho * * * * * * * *

3:48 PM  

Post a Comment

<< Home